1. O que é estrangeirismo?
O estrangeirismo é o emprego de palavras, expressões e
construções alheias ao idioma tomadas por empréstimos de outra língua.
Vocábulos oriundos de outras línguas são incorporados por meio de um processo
natural de assimilação de cultura ou ainda por conta da proximidade geográfica
com regiões cujos idiomas oficiais sejam outros. Sendo assim, podemos dizer que
o estrangeirismo é um fenômeno linguístico orgânico, isto é, ele acontece de
maneira espontânea e, quando menos percebemos, estamos utilizando empréstimos
linguísticos para nos referir a objetos e ideias.
2. O estrangeirismo não coloca em risco a soberania da língua
portuguesa:
Alguns estudiosos, sobretudo os tradicionalistas, veem o
estrangeirismo como uma ameaça à língua portuguesa, um patrimônio cultural
imaterial do Brasil. Contudo, é preciso cautela antes de afirmarmos que os
empréstimos linguísticos causam prejuízos ao idioma oficial de um país. É
absurdo o mito que corre por aí com ares de verdade de que, de repente, todos
substituiremos o português pelo inglês, idioma que mais vocábulos empresta ao
português na atualidade.
O estrangeirismo é um fenômeno social e, para que você entenda
melhor o que isso significa, podemos comparar a língua à vestimenta: assim como
as roupas, os comportamentos linguísticos da sociedade seguem a moda da época.
Se até algum tempo atrás era comum dizer que uma garota era um “broto” e que um
garoto era um “pão”, hoje não mais, pois “broto” e “pão” tornaram-se expressões
obsoletas, como é obsoleta a expressão calças boca de sino, atualmente chamadas
de calças flare, já que estamos falando sobre empréstimos
linguísticos. Essa comparação nos diz que interações sociais, econômicas,
culturais e políticas refletem de maneira considerável os comportamentos linguísticos,
portanto, conclui-se que, diante da tradição, isto é, da língua portuguesa, o
estrangeirismo é apenas uma “nuvem passageira”.
3. Se os estrangeirismos podem ser comparados aos modismos, por
que existem empréstimos que se consagraram na língua portuguesa?
Muitos empréstimos
linguísticos incorporaram-se
de maneira indelével ao nosso vocabulário, isso é inquestionável. Contudo, isso
não quer dizer que estamos deslegitimando o argumento defendido no tópico 2,
mas apenas relativizando a questão, afinal de contas, quando o assunto é a
língua, generalizações não são permitidas. Ao longo da história tomamos
emprestados vocábulos de muitos idiomas. Se hoje em dia o inglês é quem mais
nos empresta palavras, no início do século XX, por exemplo, o francês era quem
dava as cartas por aqui. Algumas palavras desse idioma o tempo levou de nosso
vocabulário, enquanto outras foram tão bem recebidas e assimiladas que fica
difícil acreditar que não são nossas. Quer alguns exemplos? Veja a listinha
abaixo:
abajur – abat-jour
balé – ballet
batom – bâton
Sutiã – soutien
Toalete – toilette
Você deve ter percebido que as palavras que hoje usamos não
preservaram suas formas originais, e isso se deve ao processo de
aportuguesamento vocabular. Outras, no entanto, conservaram a grafia original,
deixando claro que são “intrusas” em nosso léxico. Veja alguns exemplos:
Backup
Hardware
Software
Pen
drive
Check-in
Design
A maioria dos termos acima pertence a um mesmo campo semântico,
isto é, faz referência ao universo da informática e ainda não possui
correspondentes à altura na língua portuguesa. Por ainda não termos conseguido
substituí-los sem que houvesse perda de significação e expressividade,
preferimos, ainda que inconscientemente, preservar a “matriz”. Se eles serão
consagrados em sua forma original, só o tempo e os falantes, responsáveis por definir
o que fica e o que deve ser descartado, dirão.
4. Os estrangeirismos podem ser abolidos da língua portuguesa?
Não, exceto por algum tipo severo de coerção. Ainda que seja
criada uma lei que proíba o cidadão de usar estrangeirismos, sempre haverá um
ou outro “meliante” a desobedecer à regra. Abolir os empréstimos linguísticos
por decreto é tão produtivo quanto proibir o falante de falar. Não é possível
delimitar fronteiras para a comunicação, a língua é uma ferramenta democrática
e pertence aos falantes, somos nós quem decidimos os rumos da linguagem.
Não pense você, no entanto, que ninguém nunca tentou barrar o
avanço dos estrangeirismos na língua portuguesa. Em 1999, o então deputado Aldo
Rebelo criou um Projeto de Lei que propunha “a promoção, proteção, defesa e o
uso da língua portuguesa”, cujo objetivo era abolir os empréstimos linguísticos
e punir quem insistisse em conspurcar o português, essa última flor do Lácio,
inculta e bela... Bom, o final dessa história quase cômica vocês já devem
imaginar: o projeto não deu em nada graças ao bom senso de vários linguistas
que, por meio de dois ou três argumentos fortes, conseguiram desmontar o
absurdo proposto pelo deputado, que se achou no direito de legislar sobre o que
não conhecia.
5. Estrangeirismos e bom senso devem caminhar lado a lado:
Fôssemos dotados de bom senso o tempo todo, a discussão sobre os estrangeirismos não ganharia tamanha relevância. A
implicância contra os empréstimos deriva do exagero: se existe uma palavra na
língua portuguesa que consegue expressar com exatidão o significado de um
empréstimo vocabular, por que não adotá-la? A resposta para essa pergunta passa
por aspectos que fogem da mera discussão linguística e invariavelmente nos
levam a pensar sobre a influência nem sempre positiva de uma cultura sobre a
outra. Pensar que o inglês, o francês ou seja lá qual língua for sejam mais
importantes do que a nossa apenas reafirma poderes simbólicos que levam o
falante a acreditar que é chique usar nove estrangeirismos a cada dez palavras
ditas.
Assim, viva os estrangeirismos, eles estão aí para contribuir
para nossas atividades discursivas, e não para serem um obstáculo para a
comunicação, razão maior da linguagem. Todavia, como em quase tudo na vida,
menos é mais, portanto, na dúvida e na possibilidade de um vocábulo tupiniquim,
opte sempre pelo bom senso, ou seja, prefira o bom e velho português e nada de for sale em vez de liquidação,
certo?